domingo, 14 de junho de 2009

Ella está de paso

Voltou. Acordou. Doeu. Aguentou. Gostou. Tudo tem seu preço. Veste um par de tênis novo, só para caminhar solta e sola pelas ruas de São Paulo. A noite cai, ela sorri mais uma vez. Fica acordada só para ver o sol nascer. Depois que nasce, decide então, dormir. O rosto fica quase exatamente a um travesseiro. Quando acorda, pula, decola. Abre suas asas e voa. Paga caro pela liberdade, mas cada dia, o amor aumenta. Mais liberdade. Paga juros e se endivide. E paga mais. O vicio, a liberdade, o amor, que de tanto, tanto, tanto, se prende. E volta tudo para a primeira questão: liberdade x prisão. Do que mesmo ela gosta? De palavras, diria alguém. Esse era mais um vicio adquirido em pouco tempo de vida. Amava juntar palavras, assim uma do lado da outra. Gostava de dizer coisas através delas. Radicalmente e cansada, largou o vicio. Viajou. Mudou. A liberdade estava escrita atrás da novidade. E a novidade então, passou a ser mais um vicio. E desse, ela quase se entregou de olhos fechados, com braços esticados e com a cara no chão. Ah, se não fosse o tempo. Se não fosse o tempo, ninguém saberia de nada disso acima. Seriam apenas suposições, hipóteses. Mas não! De fato existiu. É um relato, que sobreviveu pelo tempo.

Prendeu-se outra vez. E perdeu também o controle da sua respiração. O amor novamente já era maior que seu próprio corpo. E o vicio, o vicio já fazia parte de seu corpo. Buscou então, histórias parecidas, nos livros, nos museus, nos LPs, nas ruas, nas praças, na sala. Encontrou fatos. Encontrou até histórias mais tristes que as suas. "E olha só quem encontro no cruzamento da Brigadeiro Luis Antonio com a Avenida Paulista pensando... simplesmente, pensando..." Diferente. Desvia o olhar. O par de tênis molhado pela chuva permanece molhado. Volta o olhar e encontra um vácuo. Olha então para o lado oposto, e cai pela estrada novamente. Sorri, abre os braços e sente o vento. O caminho só tem um fim: mais um vício, conhecido como liberdade. O mesmo e velho vicio. A novidade transborda pelo ralo no sentido contrário. O sol nasce de novo, e a camada de poluição não incomoda; agrada. As cores se multiplicam e a porta da imaginação abre. O tempo passa. A cidade volta a ficar pequena. Diante de tanta gente conhecida, as entradas dos bares ficam mais amigáveis, numa tentativa de fuga. Entra por uma porta, sai pela outra e pula a situação. A direção ela sempre coordenou. Até o dia que encontrar a placa. Ai quem sabe, ela para.

A última notícia foi que tinha tirado o pé do acelerador. Pior que tirou mesmo. Virou comentário. E quando tava quase no auge, pegou a curva, e na curva sempre tem alguém que te convence em pisar mais fundo. Virou noticia de novo. Encontrou a novidade e bebeu liberdade. Abraçou o vicio de novo e entendeu que veio mesmo somente para voar. Devolve então o par de tênis. Resolve andar pouco, mas prefere agora andar descalça. Segura forte a mochila na mão e pede carona. Não adianta! Ela nasceu para desfrutar de seus vícios, maiores que seus amores. E eles só sabem que ela partiu, quando reparam no mesmo recado em muros diferentes do bairro da Bela Vista: “Anote outra para seu livro de memórias conjugais: vou respirar e não volto nunca mais”.

Ouça!